sábado, 19 de dezembro de 2015

À procura de Geni


Desastres naturais, intolerância, enfermidades, corrupção... em tempos de catástrofes é até difícil ter o espírito natalino... a única ponta de esperança que ainda nos deixa de pé é a possível vinda de um salvador... porque ninguém sabe como quebrar esse círculo vicioso de destruição.
O filme “Melancolia” de Lars Von Trier retrata o fim do mundo quando um planeta está prestes a se chocar contra a Terra. O nome desse planeta é semelhante ao título do filme que é também um estado psíquico de ânimo doloroso, segundo Freud (1915). De modo geral, melancolia é a perda total do interesse no mundo exterior o que leva a um torpor de emoções. Em palavras cotidianas, é o completo vazio existencial.
A constante exposição à violência, à falta de respeito e às mortes levam a um sentimento de frieza. A princípio, evita-se olhar o morador de rua até perceber que há outro no próximo quarteirão. O sentimento de culpa que a princípio temos pelas injustiças sociais se transformam em frieza para que nosso consciente não sofra com essa punição inconsciente de que “eu poderia fazer algo para mudar isso.” Assim, o comportamento de fuga e o sentimento de frieza constante levam a um desgaste emocional; não há mais investimento psíquico em algo sem retorno. Entra-se então em um marasmo, mais conhecido como vazio.
A era da informação, da rapidez e da falta de tempo contribuem para a indiferença. O clichê: “Isso é coisa de adolescente” implica que todo jovem é igual e que essa fase vai passar, nem adianta tentar conversar. Coloca-se a culpa na idade e distrai-se trabalhando sem parar. O trabalho virou fuga, não apenas fonte de sustento. Com o crescente desemprego, as pessoas foram obrigadas a voltar a ver o que tentavam esquecer fechando o vidro do carro para a pessoa pedindo esmola.

Apesar desse vazio, a culpa permanece em nós, mas não conosco; a transferimos para outras pessoas, assim como também projetamos a esperança de salvação. No fundo, queremos mudar a situação, mas não temos força para começar, pois aprendemos a desviar a atenção do que nos incomoda. É então que em meio a tantas tragédias, busca-se um “salvador”. A simbologia do Natal nos faz querer renovar essa força interior, essa esperança de que senão Jesus, ao menos qualquer Geni possa nos redimir do temível zepelim.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Cor de rosa choque


Já dizia Rita Lee: “Sexo frágil/Não foge à luta”. No dia 25 de novembro foi comemorado o dia internacional da não violência contra a mulher. Em meio às diversas manifestações relacionadas à chamada “Primavera das Mulheres”, milhares de mulheres utilizaram #MeuAmigoSecreto nas redes sociais para denunciar o machismo cotidiano.
De acordo com a ONU Mulheres (2015), a Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 realizou 634.862 atendimentos neste ano, dos quais, 63.090 foram relatos de violência. A Lei Maria da Penha foi uma importante conquista, mas apesar de quase todas as pessoas terem conhecimento dela, apenas algumas mulheres realmente a utilizam em seu favor. E por quê? Porque somos educadas para tal.
A sociedade é patriarcal. Os meninos não devem chorar, porque isso é coisa de mulher, enquanto as meninas devem ter filhos e não uma profissão. Assim, a ideia de cultura inclinada ao machismo é ensinada, ainda que inconscientemente, desde cedo por meio de brincadeiras infantis e famosos clichês, como: “Comporte-se como uma mocinha” ou “Menino é mais arteiro mesmo.” Em outras palavras, homem pode tudo; mulher nem tudo.
É nessa ideia internalizada de sociedade patriarcal que muitas mulheres suportam a violência doméstica. O medo da denúncia e de uma possível reação viril do companheiro levam a mulher a justificar o estupro dizendo que ela deve ter feito algo para “merecer” esse castigo. Nessa onda de medo, muitas mulheres encontraram nas redes sociais uma maneira sutil de denunciar as situações machistas a que são expostas.
Utilizando #meuamigosecreto, situações de machismo cotidiano foram expostas no Facebook. Dentre essas, estavam desde cantadas na rua e demissões devido à gravidez até estupro e tentativas de homicídio. Outra situação bastante exposta e comentada foi referente ao direito ao aborto, bastante difundida pelo dizer: “Meu corpo, minhas regras”. Essa manifestação tomou mais força quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, lançou o projeto de lei 5069/13, que sugere um maior rigor na punição ao aborto.

“Não acredito que estou protestando por isso em pleno 2015” é o que dizia o cartaz de uma manifestante. As lutas feministas tiveram início no final do século XIX e início do XX na busca pelo direito ao voto. Depois vieram as questões relativas à conquista da mulher no ambiente de trabalho e hoje a luta maior é em relação à violência doméstica. O foco muda com o passar dos anos, mas infelizmente ainda há muito que se discutir para se entender sobre igualdade de direitos. Até lá, o sexo frágil continuará nas ruas e redes sociais por um mundo um pouco mais cor de rosa choque.

sábado, 21 de novembro de 2015

Menos oração, mais ação


Brasil. França. Síria. Nos últimos meses, vê-se uma corrente de orações nas redes sociais por todas as vítimas dos acontecimentos em diversos países do mundo. A intenção é boa, o fato de chamar a atenção para as tragédias ajuda na conscientização, as pessoas têm a liberdade de expressão... mas isso não muda o que aconteceu.
Não é que não valha a pena discutir a luta pela paz, pelos direitos humanos e pela justiça. A questão é que a discussão fica apenas em alguns caracteres de uma rede social. Ela não sai do papel, e isso não faz diferença na prática.
A oração faz bem. Ela nos fortalece quando pensamos não ter mais força para lutar e seguir em frente. Assim, sentindo-nos mais fortes, voltamos a acreditar em nós mesmos e vamos à luta, consequentemente fazendo acontecer. Portanto, não adianta apenas rezar por esses países e não fazer algo para realmente ajudar. As pessoas da tragédia de Mariana precisam de água potável. A resolução de um dos problemas da população é simples: doe água. Isso faz a diferença.
Se pensarmos que foi exatamente a oração excessiva de terroristas islâmicos que ajudou esses intolerantes religiosos a terem força espiritual para amarrarem bombas em seus corpos e explodirem locais públicos em Paris, as correntes de oração do Facebook parecem não fazer mais tanto sentido.
Os moradores de Paris precisam de segurança. Os refugiados sírios precisam de teto. Os moradores de Mariana precisam de água. O que falta no mundo além da oração, é ação. Falta respeito acima de tudo. Respeito pelas diferenças religiosas, políticas e culturais.
Não são as imagens das bandeiras de Minas Gerais e da França nas fotos do Instagram que irão amenizar o luto dos familiares e amigos das vítimas. O luto estampado nas redes sociais não deve ser pelas vítimas, mas pelo respeito que morre a cada comentário racista e intolerante. Se estiver realmente abalado por tais tragédias, faça algo para que a liberdade seja respeitada.

sábado, 7 de novembro de 2015

Vai, e se der medo, vai com medo mesmo


A foto do corpo do menino Aylan à beira da praia foi até agora uma das imagens mais “viralizadas” dos refugiados sírios. A fragilidade do ser humano parece só chamar a atenção em situações extremas. O drama nosso de cada dia nos obriga a escolhas, que quase sempre estão envoltas do medo do desconhecido, mas às vezes enfrentar o medo é a única saída.
O drama da Síria já foi também vivido por diversos outros povos que tiveram de deixar seu local de origem na busca da esperança. Migrações decorrentes do tráfico de escravos, guerras mundiais, perseguições políticas e religiosas... todo o fluxo de indivíduos é decorrente de uma situação de desespero e esperança de mudança.
A chamada “globalização” induz à ideia de possibilidade. Logo, é cabível fazer as malas e partir com toda a família para um país das oportunidades. A questão é que para manter-se como esse “país-modelo”, é preciso que haja os países subdesenvolvidos, para poder-se comparar essas diferenças e manter as relações de poder. Em outras palavras, é preciso excluir para incluir. Primeiro gera-se uma desestabilização, depois cria-se uma ideologia de inclusão para “o bem geral da nação”. O problema é que não se esperava tamanha desestabilização. O intenso fluxo migratório esbarra na crise econômica e os estrangeiros podem “roubar” as poucas vagas de empregos existentes. Logo, as oportunidades não são universais.

Assim, a imagem do pequeno garoto na praia é apenas parte do retrato de um povo que busca a esperança do recomeço apesar do medo da partida. Esses migrantes deixaram não só o país, mas sua identidade cultural. Eles são estrangeiros em espaços desconhecidos e hostis. Os antes sírios, passam a ser refugiados, sem país, sem emprego, sem família. A perda da identidade, além da perda de um filho ao longo da travessia, gera uma desestabilização psíquica do ser humano, fazendo-o ter tanto medo a ponto de cegar-lhe e pensar que vale a pena arriscar a própria vida por não ter mais nada a perder.

sábado, 24 de outubro de 2015

“Jovens há mais tempo” no divã



Crochê? Eu quero é ir ao baile! Estatísticas indicam que a população idosa vem aumentando a tal ponto que em 2020, o Brasil será o sexto país do mundo em número de idosos, com um contingente superior a 30 milhões de pessoas. O envelhecimento tem um grande impacto na vida da pessoa devido às transformações comuns da idade, como as mudanças no corpo, na memória e nas relações sociais que fazem emergir novas emoções e sentimentos. É nesse contexto que muitos idosos procuram a psicoterapia para lidarem com a “melhor idade”.
Nesse turbilhão de mudanças e novas limitações, a população idosa busca entender-se para adaptar-se a um novo modo de vida. Os idosos procuram uma atividade física, um hobby, um baile e um divã. Eles procuram qualidade de vida e querem já, assim como adolescentes. Eles vivem uma nova “juventude”, onde buscam companhia, divertimento e aprendizagem.
De aprender algo novo a compreender como lidar com as diversas perdas sofridas ao longo da vida, muitos “jovens há mais tempo” estão buscando a psicoterapia. A Associação Americana de Psicologia (APA) estabeleceu algumas diretrizes para a prática psicológica no que diz respeito ao atendimento com idosos que incluem propostas de intervenções no formato de grupos. Alguns benefícios desses grupos terapêuticos são a análise das expectativas pessoais e grupais, avaliando as próprias realizações e competências, o que ajuda a melhorar a autoestima, garante o sentimento de pertencimento e proporciona elementos para autoconhecimento do indivíduo.

O atendimento psicológico pode ser feito em grupo ou individualmente, dependendo da demanda da pessoa. O importante é saber que quanto mais elevados a autoestima e o sentimento de autorrealização, mais saudável é o processo de envelhecimento. É uma simples questão de acrescentar vida aos dias ao invés de dias à vida. 

sábado, 10 de outubro de 2015

Que corpo é este?


Dyson nasceu menino, mas com dois anos e meio começou a querer usar vestidos de princesas. Coy com um ano e meio já se recusava a usar roupas de menino. No domingo passado, o Fantástico apresentou uma reportagem falando sobre os transgêneros: “pessoas que possuem o sexo biológico em não conformidade com seu sexo psicológico”. De modo geral, o corpo deles não os representa.
Os transgêneros vivem um drama existencial por terem a sensação de que nasceram no corpo errado. O cérebro os vê de uma maneira, enquanto as características biológicas apontam para outro gênero, o que gera uma angústia de não pertencimento a uma identidade socialmente aceitável. Para lidar com essa situação, esses indivíduos começam a se comportar da maneira como se sentem; o menino escolhe vestidos, enquanto a menina prefere bermudas. Mais tarde, eles podem recorrer a cirurgias plásticas para a mudança de sexo e terapias hormonais.
A grande questão, no entanto, é como lidar com os transgêneros. Refiro-me à pessoa por “ele” ou “ela”? O sujeito usará o banheiro masculino ou feminino? Condutas cotidianas passam a ser questionadas e o estigma social masculino/feminino parece não fazer mais tanto sentido. Desse modo, a compreensão de que cada um se vê e se comporta de uma determinada maneira é essencial para aceitar as diferentes identidades.

O respeito e o diálogo são imprescindíveis no entendimento dos diversos modos de ser das pessoas. Os trangêneros demonstram a não conformidade entre mente e corpo desde a primeira infância. Um olhar atento dos pais e a oportunidade de deixar a criança se mostrar como realmente se sente abre caminhos ao diálogo e consequente construção de um modo de lidar com o transgênero. Afinal, quem melhor do que eles mesmos para nos dizer se quer ser chamado de Maria ou de João?

sábado, 26 de setembro de 2015

Afinal, por que buscamos tanto essa tal de felicidade?


Somos carentes. Vivemos da falta, do vazio, da saudade. Sempre temos aquele “buraco” para preencher. Chamamos de fome, sono, paixão, saudade... menos de carência. Isso porque não queremos admitir esse sentimento. Preferimos viver preenchendo-o com doces, novelas e relacionamentos curtos do que reconhecer que esse buraco é parte de nós.
Acredite: todos têm esse vazio. Tal pode ser visto na constante busca da tal da felicidade. Ninguém a alcançada, pois ela é a completude em si. Buscar a felicidade é querer sentir-se completo, é atingir a perfeição. Em última análise, é utópico.
Essa falta é útil. Tal espaço pode ser preenchido por diversas coisas, variando com cada situação. Pode ser um abraço de um amigo que mora longe, aquele bolo de cenoura da sua mãe ou simplesmente a companhia dos amigos no fim de semana.
A felicidade nunca será alcançada, pois ela acontece constantemente cada vez que encontramos algo para preencher temporariamente esse vazio. É clichê porque é verdade: a felicidade está nas pequenas coisas. Só não enxergamos isso porque buscamos a grandeza, queremos sempre mais, desejamos o melhor.

Já dizia Freud: “Nós poderíamos ser muito melhores se não quiséssemos ser tão bons.” Não procurar é aprender a viver, é conseguir entender que a felicidade não é o pote de ouro, mas sim o próprio arco-íris. Ela é o eterno equilíbrio de preencher e esvaziar aquele “buraco” no peito para poder completá-lo temporariamente com o que você necessita no momento. É saber-se carente e abraçar essa falta, que é cheia dela mesma.

sábado, 12 de setembro de 2015

Filho, cadê meu livro de colorir?


Atualmente existem mais de 50 mil publicações de fotos do livro de colorir “Jardim Secreto” no Instagram. Mas por que um simples livro de colorir anda fazendo tanto sucesso? O segredo desse jardim é seu público: quem anda colorindo são os adultos.
A velha brincadeira de criança tomou conta das redes sociais e se tornou um “fenômeno”. O motivo? Colorir é uma atividade lúdica. Segundo o psicanalista Winnicott: “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self).”
Além de descobrir seu eu e desenvolvê-lo, a atividade lúdica, ou o brincar, tem um efeito “antiestresse”, servindo como válvula de escape para a correria cotidiana. Um livro em preto e branco lhe dá diferentes possibilidades de preenchimento dos vazios: os do livro com cores e o vazio interior com criatividade.
A retomada da atividade infantil pode ser vista como uma fuga à infância, período geralmente subestimado pelos adultos. Há estudiosos que justificam esse fenômeno pelo fato de a escola “matar” a criatividade. No ambiente escolar as disciplinas valorizadas são aquelas cobradas no vestibular, enquanto as artes e a educação física ficam em segundo plano. Assim, crescemos desvalorizando esse espaço artístico, o que faz falta mais tarde.
A grande fuga dos adultos está nas artes: cinema, literatura, música e pintura. Quem nunca ouviu uma música para relaxar? Ou assistiu a algum filme e “esqueceu” da vida durante duas horas? Winnicott dizia que a atividade lúdica é prazerosa e tem a capacidade de entreter o indivíduo em um clima de entusiasmo. É por isso que colorir é tão “viciante”.
Por fim, brincar é bom, pois é uma maneira de canalizar a frustração do dia a dia sem ferir alguém. É uma possibilidade de deixar a raiva e o estresse fluírem naturalmente, de uma maneira socialmente aceitável, além de sentir-se pertencente ao grupo das pessoas que buscam essa forma de prazer.

sábado, 29 de agosto de 2015

Mãe, quero Ritalina!


Lançada na década de 50, a Ritalina, nome comercial do metilfenidato, vem sendo cada vez mais prescrita para crianças e adolescentes com diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Uma pesquisa feita pela UERJ indica que a comercialização desse medicamento cresceu 775% em dez anos. Serão as crianças que estão cada vez mais doentes?
O TDAH tem também bases orgânicas, portanto em alguns casos a medicação é viável. O metilfenidato atua nos neurotransmissores cerebrais, mais especificamente na dopamina, fazendo com que o indivíduo consiga concentrar-se em alguma tarefa por mais tempo, daí a (falsa) fama desse medicamento ser chamado de “droga da inteligência”.
Pessoas com TDAH têm dificuldade em se concentrar em algo por muito tempo, parecem mais dispersas e agitadas, então a Ritalina viria para amenizar essa situação. A questão a ser considerada é que nem todas as pessoas com esse diagnóstico precisam do remédio. Aspectos ambientais e sociais devem ser considerados ao analisar se o indivíduo é naturalmente mais agitado ou disperso ou se age dessa maneira apenas em determinadas situações. Outra questão a ser considerada é o fato de crianças e adolescentes estarem em fase de desenvolvimento, portanto espera-se uma agitação e impulsividade maior por parte deles.
Ao contrário do que se acredita, a Ritalina não é uma cura para o TDAH. Ela apenas ameniza alguns sintomas, mas não descarta a necessidade de acompanhamento psicológico. A pessoa precisa entender seu próprio funcionamento e aprender a agir dentro das suas limitações. O metilfenidato não deixa de ser uma droga, e assim como qualquer outra, pode causar dependência e tolerância ao longo dos anos. Ele pode ter um efeito bastante benéfico a curto prazo, mas a médio e longo prazo é insuficiente para as necessidades de autocontrole, capacidade de organização e planejamento, capacidade de relacionar-se e equilíbrio emocional.

Portanto, não adianta medicar seu filho e esperar que ele mude seu padrão comportamental. Mais do que apegar-se à quantidade de sintomas que seu filho apresenta do transtorno, é essencial considerar o grau de prejuízo que tais sintomas têm na vida da pessoa. Uma criança pode ser extremamente agitada, porém muito inteligente. Um indivíduo pode ser disperso e conseguir focar-se em um mesmo filme por duas horas. É importante observar as potencialidades além dos sintomas do TDAH para que se possa intervir de maneira precisa e duradoura no comportamento, não apenas a “doses milagrosas” de um medicamento.

sábado, 15 de agosto de 2015

Tudo o que você pode ser


“O que você quer ser quando crescer?” Essa é uma das perguntas que crianças e adolescentes mais ouvem no dia a dia. “Poderia ter feito outra coisa da vida.” é o que mais se ouve de adultos frustrados com a profissão escolhida. A quantidade de pessoas infelizes na carreira cresce a cada dia e os sintomas dessa decepção aparecem na forma de doenças ocupacionais, transtornos psicológicos, falta de motivação, queda de produtividade e absenteísmo no trabalho.
O jovem é obrigado a se decidir numa fase em que tudo é indecisão. Dúvidas, insegurança, medo e imaturidade marcam as diversas “crises existenciais” da juventude. São adultos para assumir a responsabilidade de escolher uma profissão, mas jovens demais para saírem de casa. A escolha de uma carreira gera mais ansiedade nesse turbilhão de incertezas cotidianas.
É bastante comum ouvir que um adolescente “ficou louco” de tanto estudar. Uma grande carga de tensão emocional leva a distúrbios psíquicos, sendo os mais comuns o transtorno de ansiedade e o transtorno de somatização. No primeiro, crises de sudorese, terror e medos irrealistas são comuns. No último, dores de cabeça e de estômago são frequentes. De modo geral, o corpo adoece, mostrando que a mente não está conseguindo processar todo esse turbilhão de informações e deveres de modo natural. É ai que os pais correm com seus filhos para a psicoterapia.
Sim, há uma maneira de facilitar esse momento de escolha com uma técnica chamada orientação vocacional ou orientação profissional. Essa consiste na realização de uma gama de atividades relativas ao autoconhecimento, personalidade, interesses e habilidades. Leva-se também em consideração os aspectos sociais da profissão de interesse, como atuação no mercado de trabalho e remuneração. A orientação profissional serve para direcionar a pessoa para a carreira que mais se enquadra em seu perfil e interesses.

Já dizia Confúcio: “Escolha um trabalho que você ame e não terás que trabalhar um único dia em sua vida”. Neste processo de descoberta da profissão, o apoio dos pais é essencial. Os jovens precisam de pessoas que transmitam segurança e confiança. Eles já estão indecisos o suficiente nessa gama de opções e querem apenas uma certeza: o sim, lhe apoiamos na sua decisão, seja ela qual for. Lembre-se: o importante é a realização profissional.

sábado, 1 de agosto de 2015

Falta concentração, sobra energia


Na semana passada, um menino de oito anos foi algemado na escola por um policial por “não parar quieto”. A ignorância de um transtorno psicológico e a falta de preparo resultaram em um episódio agressivo que chocou o público. A criança não conseguia ficar quieta, pois tem transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, o TDAH.
Esse transtorno é caracterizado pela desatenção, hiperatividade e impulsividade, e pode afetar a conduta emocional, a adaptação social e até o rendimento escolar. O TDAH tem fatores genéticos, portanto não adianta algemar uma criança; a agitação é própria da pessoa.
Pesquisas apontam a prevalência de 3 a 5% de adolescentes com esse transtorno na idade escolar. O TDAH associa-se ao risco do aumento de mau desempenho na escola; dificuldades de relacionamento com familiares, colegas e amigos além do desenvolvimento de ansiedade, baixa autoestima, problemas de conduta e uso precoce de drogas. Estudos apontam uma prevalência do TDAH na vida adulta entre 30% e 70%, fato que indica ser de fundamental importância o diagnóstico precoce e a capacitação de pais e educadores para a prevenção de comorbidades futuras.
Quando o transtorno continua explícito na idade adulta, os sintomas mais comuns são dificuldade de organizar e planejar as atividades do dia a dia, tendência a ficar “estressado” quando se vê sobrecarregado, não terminar trabalhos, dificuldade para realizar sozinho suas tarefas e dificuldade de concentração para leitura ou assistir palestras.
O diagnóstico é clínico e pode ser realizado por um neurologista, psiquiatra ou psicólogo, com o auxilio dos pais e da escola, e deve ser contextualizado, levando-se em conta os comportamentos em cada ambiente onde a pessoa encontra-se inserida. Deve-se observar os sintomas considerando sua duração, frequência e o grau de prejuízo causado.
Ao invés de tentar conter uma criança por sua agitação, deve-se tentar focar tal energia em atividades físicas, onde o sujeito pode ser “hiperativo” à vontade. A dificuldade de concentração pode acompanhar a pessoa durante toda a sua vida, mas é possível concluir uma tarefa que seja dividida em diversos passos intercalada com outras atividades, assim o indivíduo faz diferentes coisas em intervalos curtos, conseguindo focar-se pelo menos durante alguns minutos.

sábado, 18 de julho de 2015

Uma bedra uo meio do acminho



Cerca de 5% de crianças e adolescentes em todo o mundo terão dificuldade de ler este artigo. As letras se misturam numa espécie de caos ao invés de unirem-se formando palavras com sentidos claros. O “p” parece o “b”, o “n”, o “u” e a ordem de algumas letras não combina com o som. Considerado um dos transtornos de aprendizagem mais comuns, a dislexia está há anos nas salas de aula.
Ao contrário do que se possa pensar, a dislexia não é resultado de uma má alfabetização, baixa inteligência, falta de atenção ou motivação. Ela é uma condição hereditária com alterações genéticas. A pessoa apresenta uma certa incapacidade de sequenciar letras ou eventos, escrevendo trocando ou invertendo letras e contando uma história sem uma ordem cronológica exata. Os erros de leitura e escrita são freqüentes.
Seguir instruções também pode ser um grande problema. Uma orientação muito longa pode ser difícil de acompanhar, portanto, ao invés de dizer tudo de uma só vez: “Filho, por favor, vá até o seu quarto e me traga seu uniforme da escola que está na cadeira do lado da cama para eu lavar.”, divida a oração em várias frases curtas: “Filho, traga seu uniforme, por favor.”, “Ele está no seu quarto”, “Na cadeira ao lado da cama.”
De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia, o diagnóstico da condição deve ser feito por uma equipe multidisciplinar para que se possa descartar fatores como déficit intelectual, deficiências auditivas e visuais, lesões cerebrais, desordens afetivas e outros distúrbios de aprendizagem, como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).
A dislexia não deve ser vista como uma falha do sujeito, mas como uma dificuldade que pode ser amenizada com a atenção e apoio conjunto dos pais e professores. Uma criança que é motivada a aprender sente-se mais autoconfiante e apresenta um maior interesse e empenho na aprendizagem. Toda criança deseja aprender, portanto, as dificuldades não devem ser vistas apenas como erros, mas compreendidas. Lembre-se: o disléxico também tem sua própria lógica, sendo muito importante o bom entrosamento entre ele e seus pais, professores e colegas de sala. 

sábado, 4 de julho de 2015

Quando a piada machuca



“O motorista do ônibus disse: “Até amanhã, Daniel!”, ao que ele disse ao motorista: “Você não vai me ver amanhã.” Essas foram algumas das últimas palavras de Daniel, um adolescente norte-americano de 16 anos que cometeu suicídio após sofrer anos sendo vítima de bullying na escola. O vídeo com o relato da mãe sobre a perda de seu filho teve milhares de visualizações e foi amplamente compartilhado no facebook nessas últimas semanas. Mas afinal, o que é bullying?
Bullying é um termo criado por Dan Olweus, professor e pesquisador em psicologia, para designar uma provocação ou intimidação. Atualmente é usado para designar um assédio moral, físico ou verbal, dentre crianças e adolescentes no ambiente escolar. Sabe aquela velha brincadeira de mau gosto? Então, é isso aí.
Basicamente, são aqueles apelidos “carinhosos”: baleia, quatro olhos, Olivia palito. “Mas então todos sofremos bullying?” Não. Essa “brincadeira” só passa a ser uma ameaça quando a vítima se sente ofendida. Para isso, há de se ter um olhar atento para ver se a criança está quieta por aceitar o apelido como uma brincadeira ou por medo do agressor.
Existem três agentes no bullying: o agressor, aquele que ameaça com as piadas; a vítima, que sofre o assédio; e o espectador, que geralmente não reage por medo de se tornar a próxima vítima. Esse ataque psicológico pode ser visto como uma maneira de canalizar a agressividade em um “alvo” para fugir daquilo que nos amedronta. Em outras palavras, quem pratica o bullying com a intenção de machucar, na verdade está tentando se defender de um medo próprio antes que os outros descubram seu ponto fraco e possam lhe atacar. Esse chamado “alvo” costuma ser aquela pessoa “boazinha” sem muita atitude, que provavelmente receberá todas as ameaças calada.
As consequências de um bullying contínuo incluem o sentimento de inadequação, baixa autoestima, insegurança, isolamento social, tristeza e até mesmo o desenvolvimento de transtornos psicológicos, como ansiedade e depressão. Em casos sérios, nos quais a vítima não consegue pedir ajuda por medo do julgamento alheio, essa brincadeira de mau gosto pode levar uma pessoa ao suicídio. Portanto, há de atentar-se para ver se o “gordinho” realmente não se importa de ser chamado assim.

sábado, 20 de junho de 2015

Não é falta de concentração, é excesso de estimulação



Agora a moda é o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, o famoso TDAH. A criança que não consegue ficar 50 minutos sentada estudando tem TDAH. Na escola, precisa ser quieta e focada para aprender todo o conteúdo teórico dos livros didáticos com professores sem didática alguma para ensinar as crianças na prática por meio de atividades lúdicas. Mas essa quietude faz parte da infância?

A criança é um ser em desenvolvimento psicomotor e necessita do movimento, da convivência, da brincadeira. Crianças nascem praticamente já sabendo mexer no celular. Aos cinco anos já falam português, inglês e espanhol. Aos dez, têm a agenda mais cheia que um adulto; escola, aula de inglês, natação, judô, aulas de reforço escolar, hora cronometrada para as refeições e para o lazer (isso é, se sobrar tempo para este).

Com tantos estímulos, as crianças não têm tempo de se concentrar e produzir conhecimento. Memorizam apenas fragmentos de informações diversas para dar conta de tantas responsabilidades. Estamos enlouquecendo as crianças (?) Com toda essa estimulação é difícil focar em algo específico durante muito tempo, ainda mais durante essa fase do desenvolvimento.

Mas é mais fácil enquadrá-las em um transtorno do que mudarmos o ritmo de vida. Aprendemos que “o ócio é oficina do diabo”, então criamos compromissos diversos para mantermo-nos ocupados, mas não necessariamente produtivos, quando na verdade, é no silêncio da reflexão que surgem as melhores ideias.

Estamos acabando com o bem mais precioso: a criatividade. Ao definir compromissos em horários cronometrados, não damos espaço para a criança brincar e consequentemente, criar. A concentração em uma simples brincadeira de bonecas, crianças inventam histórias e definem papéis, criando um universo lúdico. Ao jogar um jogo de tabuleiro, crianças podem aprender matemática simplesmente contando quantas casas devem mover suas peças. É necessário mais prática, menos teoria.

Os pequenos terão muito tempo para concentrarem-se em fórmulas e debruçarem-se em livros de ciências. Daqui a pouco já serão jovens adultos com suas agendas lotadas de reuniões de trabalho e compromissos “sócio-econômico-culturais”. Limitar a criatividade e estimular demasiadamente o controle em uma fase de desenvolvimento da criança a torna um adulto estressado e infeliz. Não patologize uma criança com TDAH, quando ela está apenas vivenciando sua infância.

sábado, 6 de junho de 2015

A luta dos professores enlutados



Infomamos que a educação, após sofrer com diversos problemas de saúde ao longo da vida, veio a óbito. A falta de investimento em um ensino público de qualidade, a negligência da merenda escolar e a baixa remuneração dos professores levaram à falência múltipla dos órgãos educacionais, já frágeis.

Nesses últimos dias, milhares de professores foram às ruas protestar o descaso para com a educação brasileira. A “recepção” foi feita com balas de borracha, mostrando a violência de uma sociedade na qual a polícia é despreparada e o governo não tem argumentos para discutir civilizadamente. É isso que acontece em qualquer sociedade que não preza a educação. As pessoas não aprendem mais a pensar. (Mas talvez seja isso mesmo o que o governo quer, seres irracionais, afinal, são mais fáceis de manipular.)

É mais fácil e rápido reduzir a maioridade penal do que educar as crianças até sua juventude. Afinal, para que investir 18 anos em crianças que serão futuros profissionais com excelente educação? Para lutar por seus direitos e saber eleger um presidente? Saber pensar é perigoso. O conhecimento é poder, e isso é um direito exclusivo dos manipuladores.

É graças aos professores que médicos encontram curas para doenças, psicólogos conseguem diagnosticar um transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), jornalistas noticiam eventos no mundo todo, e tantos outros profissionais fazem a diferença no mundo. Como psicóloga posso dizer que o melhor colaborador é o professor. Diagnósticos como TDAH e autismo podem ser feitos mais cedo e com maior precisão devido à observação atenta de professores em relação aos seus alunos.
A educação, juntamente com a saúde e a segurança pública formam o tripé da sociedade. Pena que não aprendemos isso. Só aprendemos a reproduzir o que já é sabido; não sabemos produzir. Quando não se tem argumentos, resta somente a violência. Salvemos a espécie em extinção! Lutemos pelo reconhecimento dos professores que sabem que a melhor arma é o conhecimento.

sábado, 23 de maio de 2015

O ócio necessário



Em um sábado à tarde, você se sente mal por estar deitado no sofá ao invés de fazer algo produtivo. Poderia estar caminhando, fazendo uma pós-graduação... mas nesse tempo que tem livre, você quer mais é fazer nada mesmo. Não se sinta culpado; o ócio é necessário!
Uma pesquisa recente da professora de educação, psicologia e neurociência na Universidade do Sul da Califórnia, Mary Helen Immordino-Yang mostrou a importância da ociosidade para autoconhecimento, bem-estar e criatividade. Como isso acontece? É simples, nesse “tempo livre”, você se “desliga” das obrigações formais de trabalho, estudo, afazeres da casa, e seu cérebro entra em um modo de reflexão. Sem perceber, é nesse momento que você olha para si mesmo e atenta-se para o que gosta de fazer nas horas de lazer, como está se sentindo e até mesmo presta mais atenção às pessoas à sua volta, tudo isso pelo simples fato de não ter a obrigação de fazer qualquer uma dessas coisas.
Sendo assim, esse tempo ocioso é algo positivo e estudos já indicam que quando as crianças têm esse tempo livre de reflexão, geralmente se tornam menos ansiosas e mais motivadas, têm um melhor desempenho em avaliações e conseguem planejar melhor suas ações.
A cada dia mais vivemos a concorrência e para sermos vencedores, não podemos perder tempo, portanto, nada de ócio. Acontece que nessa competitividade o que se destaca é a criatividade. O mundo busca por novidades que muitos podem oferecer, mas nem todos conseguem vender. Nesse sentido, a inovação depende da criatividade em apresentar tal produto, e a criação surge no ócio. Portanto, sim ao ócio.
De modo geral, essa experiência de ócio seria a realização de algo sem ter a obrigação de fazê-lo. É aquilo que se faz porque quer, não porque precisa. É algo que traz sentimento de satisfação, felicidade. É sair para caminhar para se distrair enquanto cuida da saúde ao invés de ter que caminhar para emagrecer. O ócio é necessário e produtivo quando se escolhe fazer o que se gosta nesse tempo de lazer sem se cobrar resultados, sendo a única obrigação não ter dever algum.

sábado, 9 de maio de 2015

A patologização do cotidiano



Diversas pessoas me procuram dizendo que estão com depressão. Outras tantas dizem que seus filhos são hiperativos. Elas já chegam com o diagnóstico pronto baseado na lista dos sintomas descritos na internet (e na maioria das vezes, não têm a condição). A impressão que tenho é que até anos atrás, as pessoas tinham medo de ficar doentes, ainda mais se sofressem com algum transtorno mental, enquanto hoje, as pessoas parecem se identificar cada vez mais com as diversas condições de saúde consideradas “anormais”.

A criança que adora correr e brincar é hiperativa. A pessoa que só pensa em dormir é depressiva. Já não há mais um meio termo. Se pararmos para analisar as descrições atuais de transtornos mentais descritos em manuais como DSM-V e CID-10, constataremos que todos somos doentes em algum grau.

A questão não reside simplesmente no fato de ter alguns sintomas de alguns transtornos; o que ocorre é que as pessoas estão se identificando cada dia mais com a patologia. Ao invés de ser algo aversivo, é agora sinônimo de pertencimento. Um indivíduo com transtorno obsessivo-compulsivo se orgulha em listar seus sintomas sabendo que existem outras tantas pessoas semelhantes a ele, fazendo, portanto, parte de um grupo de TOC.

Talvez a solidão seja o grande mal da sociedade. Cada um vivendo de modo individualista até lembrar que o ser humano é um ser social. Por mais que preze a independência, gosta do convívio. Chegou-se ao grau de não sabermos mais como nos relacionar, o que dá espaço para fazer de doenças um elo com outros indivíduos.

Nesse contexto, nasce a patologização do cotidiano. Situações comuns a todos em um grau mais maníaco ou mais depressivo é doença. Tomar muito café é doença. Ter receio de falar em público é doença. Aqui se faz necessário entender que apesar de podermos apresentar sintomas de alguns transtornos psiquiátricos, isso não significa que somos necessariamente doentes. É preciso uma avaliação profissional para diagnosticar tais transtornos, que são analisados com base na quantidade de sintomas e na qualidade de vida da pessoa. Como disse Freud: “Antes de diagnosticar a si mesmo com depressão ou baixa autoestima, primeiro tenha certeza de que você não está, de fato, cercado por idiotas.”

sábado, 25 de abril de 2015

Quando a luz no fim do túnel é um trem



Ele disse que só queria ser lembrado. Em seu apartamento, prescrições de antidepressivos. Em seu histórico médico, transtornos psiquiátricos. Em sua mente, a ideia de não poder realizar seu sonho de ser piloto. Na realidade, o suicídio (e homicídio dos demais passageiros do vôo) do jovem copiloto alemão.
O suicídio pode ter diversas “motivações”. O desejo de morrer – ou desistir de viver – pode nascer da dificuldade de lidar com as perdas. A perda de um membro corporal que lhe impede de continuar exercendo sua profissão, a perda de uma funcionalidade, como a visão, que lhe impede de alcançar o cargo dos sonhos em uma companhia aérea...
O ser humano não está preparado para lidar com as perdas. Assim, também não aprende a viver o luto, consequentemente, adoecendo. Em alguns casos, a ligação da pessoa com o objeto perdido – este pode ser uma pessoa, um emprego ou qualquer coisa importante em sua vida – é tamanha que o indivíduo não consegue se desvencilhar dele, ou seja, não o quer deixar partir. Quando isso acontece, a pessoa vê que parte dela morreu juntamente com o objeto, em outras palavras, a pessoa perdeu parte de si. Nesses casos, como continuar?
A maioria de nós não tem pressa para morrer, no entanto, algumas vêem esse fim como saída. Enquanto a luz no fim do túnel significa esperança para alguns, para outros, ela é simplesmente um trem chegando, e o melhor a se fazer é jogar-se debaixo dele. Uma das características que define como a pessoa enxerga essa luz é a resiliência, ou seja, a capacidade de lidar com as adversidades de maneira positiva.

O problema é que somos educados para vencer. Qualquer perda é sinônimo de derrota. Não existe frustração maior que não poder realizar um sonho, mas é importante lembrar que se pode ter outros planos. A constante exigência pela perfeição aniquila sonhos e vai de encontro ao sucesso. Há de se ensinar a viver e se reinventar para não querer morrer numa tentativa de reconhecimento social.

sábado, 11 de abril de 2015

Cinquenta tons de sexualidade



O livro “Cinquenta tons de cinza” está entre os mais lidos atualmente. Trata-se da história de um homem bem-sucedido que se envolve com uma jovem estudante. Do ponto de vista psicológico, é o relacionamento entre um sádico e uma masoquista. Ele gosta de provocar dor, e ela sente prazer com esse sofrimento.

No entanto, não pretendo falar sobre o relacionamento sadomasoquista, e sim sobre as diferentes preferências.  Aquele velho clichê de que “gosto não se discute” se encaixa aqui. Cada um tem uma preferência por um tipo de música, um barzinho e assim também é para relacionamentos. A questão está na dificuldade em aceitar a diversidade, razão pela qual muitas pessoas sofrem escondendo-se e defendendo-se do mundo.

Sem perceber, pessoas se identificam com uma ficção e vêem nela uma oportunidade para falar sobre sexo sem se expor pessoalmente. Tornamo-nos voyers; assistimos a filmes, lemos livros e vemos indivíduos expondo suas preferências sexuais e gostamos disso. Sentimos orgulho dessa liberdade de expressão alheia e até a tomamos como nossa própria luta.

Tal expressão só é possível porque existe a vergonha. Vergonha de se expor, de ser julgado e criticado. Essa vergonha une-se ao medo de ser diferente, conceitos criados para controle social. Aprendemos a não reconhecer nossas qualidades. Quem exibe seus talentos é visto como arrogante, metido. Assim, só vemos nossos defeitos e erros, ou seja, quaisquer características que destoam do senso comum.

Deste modo, a sociedade é cinza. Qualquer outra cor gera discussão e é por isso que necessitamos nos refugiar na ficção para colorir a vida; a arte dá liberdade às nossas expressões, e só quem se identifica com ela entende seu significado.

sábado, 28 de março de 2015

O luto proibido



A morte é algo natural que faz parte do processo de vida. No entanto, as pessoas imprimem simbologias aos eventos, o que leva a morte a possuir diversos significados dependendo do contexto sócio-histórico-cultural.
Freud diz que o luto é a reação à perda de um ente querido ou de algo que tenha extrema importância em sua vida, podendo ser um emprego, por exemplo. Para Kovács, a perda envolve sentimentos e a expressão desses é essencial no processo de elaboração do luto. O padrão do bom comportamento na atualidade, que prega o autocontrole e a não demonstração de sentimentos, tem repercussões críticas, levando o sujeito a negar a perda e esconder sua tristeza. Essa não expressão dos sentimentos pode levar o indivíduo a uma cronificação do processo de luto, podendo torná-lo patológico.
A alta incidência de mortes causadas pela violência contribui para a banalização do luto. A tristeza adquire uma conotação negativa, devendo ser rejeitada. Logo, a não expressão dá ao sujeito o status de socialmente adaptado, enquanto psicologicamente, ele está sofrendo.
O luto é um processo necessário à vida humana, que permite ao indivíduo sofrer, se recompor e seguir adiante. A negação da morte leva as pessoas a lidar com a perda o tempo todo, revivendo a experiência do luto.
A sociedade está carente de sentimentos. Cada vez há mais violência e mortes e a maneira mais rápida de lidar com isso é ser indiferente. Passa a ser normal assistir a reportagens de homicídio enquanto se almoça macarronada com a família. Atos hediondos são aceitáveis. Basta ter sangue frio para lidar com isso. É exatamente essa frieza que leva as pessoas ao sofrimento por não poderem sofrer quando devem.

A morte é algo natural. A perda é inevitável. O sofrimento durante o luto é essencial para seguir em frente. Enquanto as pessoas ainda conseguirem entristecer-se e sentir empatia pela perda de outra, é sinal de que ainda são capazes de sentir. Isso mostra que ainda existe algum sinal de humanidade.

sábado, 14 de março de 2015

A solidão compartilhada



Olhava as pessoas atravessando a rua enquanto tomava seu café no bar ao lado. Fotografou o pão de queijo que acabou de pedir e postou a foto no Facebook. Ansiosamente já aguardava diversos “curtir” e “compartilhar” assim como a garota que fez um “selfie” e postou no Instagram enquanto esperava o semáforo abrir.
Acabou o café, mas ninguém havia curtido sua foto. A cada minuto era como se morresse com ele a esperança de reconhecimento. O pão de queijo era apenas uma desculpa para ser notado, para mostrar aos outros que ele está ali e mascarar seu medo de ser esquecido.
A garota recebe algumas “curtidas” por seu “sefie” e acredita ser a próxima descoberta por uma agência de modelos. Mostra seu decote para esconder sua carência.
Ambos pelo destino ou por esta foto compartilhada após o acidente encontram-se brutalmente num atropelamento. A garota avançou o sinal enquanto olhava o celular enquanto o rapaz atravessou a rua olhando seu tablet.
Do encontro desses dois corpos, ao invés de raiva, houve reconhecimento. Reconhecimento não da gafe semelhante cometida por ambos, mas da solidão. Ambos à procura de “likes” traduzidos em elogios e “shares” convertidos em abraços.
A solidão tomou conta da cidade e ninguém reparou. A internet e as redes sociais minimizaram as distâncias aproximando os que estão longe, mas aumentaram os vazios distanciando os que estão perto.
O ser humano necessita de afeto e a falta dele leva a um exagero quando este acontece em situações raras. O atropelamento talvez nada mais foi do que uma tentativa desesperada de toque, de afeto. Com a valorização da individualidade, ninguém quer fazer atividades em grupo, a não ser que seja através de redes sociais participando de uma comunidade.
Assim, as pessoas vivem fingindo-se felizes em “selfies”, mostrando somente seus pés na areia da praia, pois seus olhos estão chorando e continuam a “compartilhar” solidões no Facebook até cansarem e se deixarem ser atropelados por um outro alguém infeliz.


A elaboração do cotidiano

Já dizia Carl Jung: "Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta."
Ao olhar para dentro de mim, pude me compreender. Despertei minha alma e acabei vendo o mundo com outros olhos. 
Dessa nova visão, misturei teoria e prática e passei a escrever sobre a psicologia presente no dia a dia.
Apresento-lhes o blog: Psicologia Cotidiana.