sábado, 18 de junho de 2016

Onde está o amor?


Já dizia Machado de Assis: “Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar”. No dia 12 de junho, enquanto os brasileiros comemoravam o dia dos namorados, os Estados Unidos estavam enlutados pela falta de amor. Um jovem entrou em uma boate voltada ao público LGBT e causou 50 mortes, além de ferir mais 53 pessoas. Ao que se especula, o ato pode ter sido resultado do ódio por outras formas de amar.
Independentemente da ligação do atirador a um grupo extremista, o que impera é a dificuldade em aceitar a diversidade, já que um grupo com os mesmos valores apenas reforça a empatia ou a aversão às diferenças. Essa discordância de opinião é a razão pela qual as pessoas buscam refúgio em seus mecanismos de defesa internos; a diferença se dá na forma como se protegem: uns assumem a posição de vítima, isolando-se, outros assumem a posição de agressores, agindo antes de serem atingidos.
Segurança e pertencimento são necessidades básicas, segundo a pirâmide de Maslow. Pertencer a um grupo implica comungar das mesmas ideias ou ao menos respeitar a dos colegas. Isso se amplia a relacionamentos. As pessoas buscam o outro, dentre outros motivos, para que possam sentir-se seguras, além de aceitas e, se possível, amadas. Tal afinidade acontece na sensação ilusória de segurança que o outro representa.
Sendo assim, o amor pode ser encontrado na afinidade de gostos, incertezas e fantasias entre duas pessoas, independentemente de gênero, raça ou classe social. O ódio, oposto do amor, pode ser visto na intolerância e falta de respeito apresentadas na forma de agressão física ou psicológica. A não aceitação de outros pontos de vista (que são aceitos por outros) leva à frustração e ao desequilíbrio interno pela falta de empatia e de respeito.

O medo do novo, a sensação de insegurança e de solidão podem falar mais alto quando não se consegue ver o que a maioria enxerga. Possivelmente, o jovem agrediu outros antes que pudesse ser agredido. A criação rígida, os valores aprendidos em sua cultura e os preconceitos advindos de gerações culminam no ato trágico relatado na mídia. Dentre todas as explicações e possíveis diagnósticos, o mais correto talvez seja que ele sofria da falta de empatia, o provável mal do século.

sábado, 4 de junho de 2016

A ultraviolência cotidiana de Kubrick


Mulheres estupradas porque usam roupas curtas, homossexuais agredidos por assumirem sua identidade, crianças medicadas por serem agitadas demais, idosos hostilizados por não terem mais uma audição apurada... Na verdade, o motivo da agressão pouco importa, o essencial é poder criticar, julgar e externalizar a raiva, independentemente de quem seja o “alvo”.
No início da década de 70, Stanley Kubrick dirigiu o filme “Laranja Mecânica”, adaptado do livro homônimo de Anthony Burgess. Ele conta a história de Alex, um jovem rebelde e inteligente que, juntamente com um grupo de amigos, tinha por diversão praticar a “ultraviolência”. Esses jovens (todos homens) assaltavam casas, espancavam mendigos e estupravam mulheres por prazer, deixando claro seu cinismo e descaso para com os outros e a sociedade.
As agressões geralmente são direcionadas às minorias hostilizadas, sempre mudando seu público. Leprosos, doentes mentais, negros, homossexuais... Novamente, a minoria em questão pouco importa, desde que sempre haja um grupo para o qual todo instinto agressivo possa se voltar, contando com uma justificativa socialmente aceitável nas propostas de exclusão-inclusão social.
A notícia da adolescente estuprada por mais de trinta homens não parou de circular na mídia. Essa “ultraviolência” é reforçada pela cultura patriarcal e é o último ato do machismo. Afinal, quem nunca ouviu que lugar de mulher é em casa e não no trânsito ou no mercado de trabalho? E as famosas “cantadas de pedreiro”? A cultura da violência é tecida aos poucos, de modo que a mulher sente-se envergonhada por ser vítima de um sistema disfuncional.

O simples fato de justificar uma agressão é tentar “normalizar” uma situação ilegal. Não há justificativa para a intolerância e falta de respeito. A ultraviolência tratada em “Laranja Mecânica” reflete uma educação deficitária e uma desigualdade de gênero absurda. Desde o bullying ignorado na escola até o assédio sexual no trabalho, a sociedade precisa falar sobre o assunto, não apenas reproduzi-lo em campanhas nas redes sociais. É a ação que muda o rumo da intolerância cotidiana.