sábado, 24 de dezembro de 2016

Ano novo e a necessidade de renovar as promessas


Mais um ano chega ao fim e a impressão de que passou rápido continua a mesma de todos os anteriores. O que também parece continuar é a nossa insistência em renovar as promessas para o ano novo, mesmo sabendo que ainda nem cumprimos nossas metas de 2016 (nem de 2015, 2014...). Afinal, de onde vem essa teimosia de acreditar que um simples dígito no calendário vai fazer a diferença?
Na verdade não vai. Um número por si só não faz diferença alguma, mas o significado que damos a passagem de uma data a outra passa a fazer sentido quando situado em uma crença. Acredita-se que o próximo ano é um novo marco inicial. Révellion, aliás, é uma palavra derivada do francês e significa “acordar”. Seja uma resolução para melhoria espiritual ou física, a verdade é que metas sempre são restabelecidas nessa data.
É preciso lembrar que “promessa” indica “compromisso”, o que ainda quando crianças, aprendemos ser coisa séria. Por isso, por mais que não alcancemos tudo o que nos propusemos, o mínimo de mudança já nos é motivo de orgulho; este por sua vez leva a uma melhora na autoestima, que nos deixa mais felizes e motivados, sendo assim, seguimos em frente.
Continuamos... mesmo que o arroz tenha queimado e o leite derramado. Seguimos adiante mesmo quando estamos cansados e sem esperanças de melhora na economia, ainda que a casa nunca mais seja a mesma após a partida de alguém. Insistimos mesmo sabendo que virão outros términos de relacionamento, novas dificuldades de saúde... temos que continuar.

Essa cobrança de seguir apesar de tantas adversidades é feita por nós para nós. A questão é que nossa fé em nós mesmos talvez não seja tão grande quanto à crença que depositamos em um ritual compartilhado. Quando tudo parece estar perdido, recorremos ao Révellion, à igreja, ao mar, apenas para reencontrar essa força adormecida dentro de nós após tantas lutas. Talvez isso explique o dom que o ser humano tem de se reinventar a cada ano, ainda que seja com a esperança de cumprir as promessas feitas anos antes.

sábado, 3 de dezembro de 2016

Black Friday e a promoção do que eu não preciso



Vivemos na época do exagero, do descontrole. Extrapolamos demonstrações de afeto e limites no cartão de crédito. As redes sociais estão estampadas com fotos e declarações e no carrinho de compras cabem todos os itens com algum desconto. Compra-se sem saber se realmente é útil, mas pelo simples fato de “é bom ter, vai que um dia precise”. Talvez fosse necessário comercializar o bom senso...
Há quem explique essa demanda do exagero como uma “crise de identidade generalizada”. Sente-se um vazio e logo procura-se algo para amenizar essa falta. Antes mesmo de se interpretar tal ausência, já existe uma gama de oportunidades práticas que prometem diminuir esse “buraco” e adivinhe, todo mundo está “comprando” essa ideia!
A “Black Friday”, ou também conhecida comicamente entre psicanalistas por “histeria generalizada”, vende a ideia de pertencimento à sociedade, e quem não quer fazer parte de um grupo? O problema é que as pessoas têm pressa em “se encaixar” e serem reconhecidas, portanto agem sem pensar e desconsideram suas próprias necessidades em prol da conquista de uma felicidade artificial compartilhada momentaneamente.
A satisfação em encher o carrinho com compras é menos duradoura do que as diversas prestações do parcelamento dos bens de consumo adquiridos. Isso explica uma sociedade insatisfeita e “vazia” que sempre quer mais. O filme “Clube da Luta” de David Fincher ilustra esse tema com algumas colocações válidas: “Temos trabalhos que odiamos para comprar coisas que não precisamos.” e “O que você possui acaba te possuindo.”

A saída dessa “histeria generalizada” é, mais uma vez, o autoconhecimento. Saber o que se quer, do que se gosta e o que não suporta leva o indivíduo a compreender que comprar só porque está na promoção não faz sentido se não tem utilidade para ele. Onde está aquela independência que tanto se busca quando se aceita sem pensar qualquer imposição publicitária?

sábado, 19 de novembro de 2016

Quando me tornei mãe dos meus pais


Lembro-me como se fosse ontem meus pais me ensinando o significado das palavras. Recordo-me bem, pois hoje sou eu quem explico o que significam aqueles nomes complicados em artigos científicos. Sei que logo serei eu que os auxiliarei a caminhar, a não se esquecerem dos remédios e dos aniversários...  Desde cedo aprendemos a ser filhos, como é que agora devemos aprender a sermos pais dos nossos pais?
Talvez nunca iremos aprender, já que não é a lógica da vida. Nascemos filhos, crescemos filhos e sempre seremos mimados como crianças pelos nossos super-heróis, que estão sempre ali, naquele mesmo cantinho chamado lar, para quando quisermos voltar. Acreditamos que podemos nos arriscar na vida adulta, pois se algo der errado, já sabemos a quem recorrer, sem lembrar, meio a essa correria do dia a dia, que todos envelhecemos.
Nossos super-heróis vão perdendo os “poderes”. Têm dificuldade em ver uma foto no celular sem colocar os óculos, não escutam o telefone tocar... mas talvez o mais difícil seja quando esquecem aniversários e compromissos. Se é difícil para nós, filhos, aceitarmos o envelhecimento dos nossos pais, para eles é ainda pior, pois sentem-se culpados por não poderem mais ser “modelos” para seus filhos.
Freud já dizia que “é culpa da mãe”. Digo que é “culpa” dos pais. Eles superprotegem e mimam, buscando oferecer aos filhos o melhor de si e o melhor que podem do mundo, fazendo com que as crianças cresçam com a ilusão de que seus pais sempre estarão ali quando precisarem. Não estamos preparados para perder, muito menos nossos heróis que curavam tudo com um abraço.

Há uma inversão de papéis e ninguém está preparado. Há discussões e angústia por não conseguir expressar o que se deseja nem conseguir compreender o outro lado da questão. Filhos não aprendem a ser pais, assim como pais não aprendem a ser filhos. O caos é óbvio, mas é preciso lidar com o problema. Como fazer isso? Também estou aprendendo... talvez seja realmente uma questão do famoso “tempo das coisas” que meus avós já diziam...

sábado, 5 de novembro de 2016

O seu sonho nem sempre é o sonho do seu filho



Em época de vestibulares, a escolha profissional é tema de discussão, seja na escola ou em casa. A cobrança pela carreira torna-se um fardo quando o adolescente não consegue se decidir entre tantas opções... escolha que é muitas vezes dificultada ainda mais pela intromissão dos pais com seus sonhos pré-moldados para suas eternas crianças...
Jung já dizia: “Nada tem uma influência psicológica mais forte em seu ambiente, e especialmente em seus filhos, do que a vida não vivida de um pai”. É muito comum ouvir relatos de pessoas infelizes no trabalho, que hoje escolheriam outra profissão e teriam tido coragem para encarar seus pais e seguir seus sonhos. Acontece que o trauma é tamanho, que eles não conseguem se desvencilhar de suas escolhas e passam a desejar que seus filhos realizem seus sonhos, continuando o círculo vicioso.
Há um corte essencial a ser feito: seu sonho nem sempre é o sonho do seu filho. Sua maneira de reagir a situações, sua opinião sobre política e sua preferência musical não serão idênticas as dos seus filhos. Algumas vezes, pais e filhos podem ter afinidades, mas sua visão de mundo não é a mesma. Aceitar as diferenças é a solução para os mais diversos problemas, inclusive dentro de casa.
A maioria dos pais diz que a sua felicidade é ver seu filho feliz, portanto deixem seus filhos viverem seus sonhos. Seja por descontentamento pela escolha profissional de seu filho ou pelo simples motivo de não querer “perder” sua criança para o mundo, é necessário relembrar que em algum momento seus pais também tiveram que deixar que vocês partissem rumo a sua felicidade.

Não é possível proteger seus filhos o tempo todo, nem é saudável. Todos irão se deparar com situações difíceis e os adolescentes raramente esperam que seus pais resolvam o problema para eles; o que esperam é a segurança e o apoio, sabendo que se não der certo, terão um “ninho” para onde possam retornar.  Entender que esse é o tempo deles e que você como pai ou mãe já cumpriu seu papel de educá-los é o mais importante para facilitar a busca de novos horizontes e a consequente realização profissional das suas eternas crianças.

sábado, 22 de outubro de 2016

Ensinar ou não ensinar, eis a questão


Quem foi seu professor da primeira série? Muitos se lembrarão da época escolar e quem sabe até conseguirão citar alguns nomes de educadores... mas será que compreendem a importância, se não necessidade deles na formação acadêmica e até pessoal? Em um país onde a educação não é valorizada, por que devemos ainda comemorar o dia do professor?
Infelizmente é um clichê dizer que a educação do país encontra-se defasada. A falta de investimento em um ensino público de qualidade, a negligência da merenda escolar e a baixa remuneração dos professores levam à falta de reconhecimento e, consequentemente, à desmotivação da classe educadora.
Renato Russo e Dado Villa-Lobos já diziam: “Vamos celebrar a aberração/De toda a nossa falta de bom senso/Nosso descaso por educação”.  Para exemplificar esse tal descaso, é possível citar a PEC 241, uma proposta de emenda constitucional que pretende “congelar” as despesas do governo federal (à priori) por 20 anos, o que, segundo críticos, interferirá gravemente nos investimentos nas áreas de saúde e educação.
Fala-se cada vez mais sobre o declínio pela procura de cursos de licenciatura. Os jovens atualmente querem ser engenheiros, administradores, nutricionistas, mas não desejam partir para a área educacional. Há quem diga que não vale a pena lidar com adolescentes “rebeldes” e “mal educados”, no entanto sabe-se que o que ninguém deseja é ter um título em uma profissão desvalorizada, ainda mais em uma sociedade onde a sua ocupação atual lhe define.

Esquece-se do óbvio: os professores são os que formam os profissionais das mais diversas áreas, inclusive conferindo-lhes títulos de bacharel, mestre e doutor. Apesar de cada vez menos comemorações em uma data tão importante, fica o lembrete que sem professor, não existem psicólogos, jornalistas, biólogos nem outros professores. Aliás, minha gratidão especial à dona Edonea, minha professora da primeira série.

sábado, 8 de outubro de 2016

A “adultificação” da infância




Foi-se o tempo em que as crianças pediam bonecas e carrinhos de presente. Elas querem celular, tablets, vídeo games... A infância aparenta durar bem menos nos dias atuais. Os pequenos vestem-se (ou são vestidos) como adultos e são educados a agir como “homenzinhos” e “moçinhas”. Onde foram parar as brincadeiras de pique-esconde e pega-pega?
Até por volta do século XII, o conceito de infância praticamente não existia, já que as crianças eram vistas como pequenos adultos. Tal fase da vida passou então a assumir um aspecto cultural quando a infância começou a ser considerada uma etapa de grande desenvolvimento físico e psíquico na vida da pessoa.
A criança é um ser em desenvolvimento psicomotor e necessita do movimento, da convivência, da brincadeira. Crianças nascem praticamente já sabendo mexer no celular. Aos cinco anos já falam português, inglês e espanhol. Aos dez, têm a agenda mais cheia que um adulto; escola, aula de inglês, natação, judô, aulas de reforço escolar, hora cronometrada para as refeições e para o lazer (isso é, se sobrar tempo para este).
Estamos acabando com o bem mais precioso: a criatividade. Ao definir compromissos em horários cronometrados, não damos espaço para a criança brincar e consequentemente, criar. Na concentração em uma simples brincadeira de bonecas, crianças inventam histórias e definem papéis, criando um universo lúdico. Ao jogar um jogo de tabuleiro, crianças podem aprender matemática simplesmente contando quantas casas devem mover suas peças. É necessário mais prática, menos teoria.

Crescer é um processo longo e as etapas do desenvolvimento devem ser respeitadas. Os pequenos terão muito tempo para concentrarem-se em fórmulas e debruçarem-se em livros de ciências. Daqui a pouco já serão jovens adultos com suas agendas lotadas de reuniões de trabalho e compromissos “sócio-econômico-culturais”. Limitar a criatividade e estimular demasiadamente o controle em uma fase de desenvolvimento da criança a torna um adulto estressado e infeliz. Há de se agir de maneira mais saudosista e retomar os valores das brincadeiras infantis enquanto ainda é tempo de se divertir.   

sábado, 24 de setembro de 2016

O último mergulho


O espanto diante do inesperado nos faz perder o rumo. Ficamos chocados diante da fragilidade da vida, que pode se acabar em questão de minutos. O falecimento de um ator logo se tornou a “dor” de todos os espectadores, mesmo esses não conhecendo o homem por trás do personagem. Apesar de sabermos da existência das perdas, elas sempre nos “pegam” desprevenidos...
A verdade é que não somos educados para perder. Já nascemos sendo o “bebê mais lindo”, “o mais esperto”. Crescemos acreditando sermos especiais e buscando sempre o reconhecimento tão merecido de vencedor. Perder é uma palavra inaceitável, seja em um jogo de futebol ou em um relacionamento.
A perda de um ente querido ou de algo que tenha extrema importância em nossa vida nos leva ao chamado luto, como disse Freud. Para Kovács, a perda envolve sentimentos e a expressão desses é essencial no processo de elaboração do luto. Mas como expressar essa angústia se nem sabemos ao certo lidar com ela?
O padrão do bom comportamento na atualidade, que prega o autocontrole e a não demonstração de sentimentos, tem repercussões críticas, levando a pessoa a negar a perda e esconder sua tristeza. Acontece que essa não expressão dos sentimentos pode levar o indivíduo ao desenvolvimento de quadros depressivos.

Quando uma morte inesperada se faz presente em nossas vidas, somos forçados a lidar com o fato de que às vezes nós perdemos. Elizabeth Bishop escreveu “A arte de perder”, poema no qual narra pequenos lutos cotidianos aos quais não nos atentamos pelo simples fato de negá-los. Nunca sabemos quando será nosso último mergulho, mas precisamos aceitar que um dia ele se fará presente.

sábado, 10 de setembro de 2016

Quando o balanço vira forca


Há cerca de dois meses, um empresário tirou a própria vida após ser obrigado a demitir mais de 200 funcionários devido à crise financeira do país. A demissão em massa foi vista como motivo de vergonha e culpa por não conseguir driblar a dificuldade. Os noticiários locais exibiam a notícia, mas como disse Chico Buarque: “A dor da gente não sai no jornal.”
O “setembro amarelo” aparece para discutir esse tabu e prevenir esse problema de saúde pública no país. O suicídio pode ter diversas “motivações”. O desejo de morrer – ou desistir de viver – pode nascer da dificuldade de lidar com as perdas. A perda de um membro corporal, que lhe impede de continuar exercendo sua profissão; a perda de um status, que lhe impede de continuar crescendo profissionalmente...
O ser humano não está preparado para lidar com as perdas. Em alguns casos, a ligação da pessoa com o objeto perdido – este pode ser uma pessoa, um emprego ou qualquer coisa importante em sua vida – é tamanha que o indivíduo não consegue se desvencilhar dele, ou seja, não o quer deixar partir. Quando isso acontece, a pessoa vê que parte dela morreu juntamente com o objeto, em outras palavras, a pessoa perdeu parte de si.
A maioria de nós não tem pressa para morrer, no entanto, algumas vêem esse fim como única saída. Enquanto alguns vêem da corda um balanço, outros a vêem como uma forca. Uma das características que define como a pessoa enxerga essa corda é a resiliência, ou seja, a capacidade de lidar com as adversidades de maneira positiva.

O problema é que somos educados para vencer. Qualquer perda é sinônimo de derrota ou fracasso, ainda que tenha sido influenciado por fatores externos, como a economia. A frustração e a angústia levam o indivíduo a procurar a saída mais silenciosa para que sua dor não apareça no jornal, mas a notícia está lá. A esperança é que há prevenção, e precisamos falar sobre suicídio.

sábado, 27 de agosto de 2016

Competir é uma arte, perder faz parte


Os jogos olímpicos 2016 chegam ao fim e com eles a sensação de dever cumprido, ainda que não da melhor forma. Foram 17 dias de competição, sorrisos, lágrimas e limites ultrapassados. Na cerimônia de encerramento das olimpíadas do Rio, pode-se notar que a alegria da despedida foi bastante similar à da abertura, apesar das perdas.
Perda do equilíbrio, perda do controle, perda da medalha. Aceitar que não foi o melhor do mundo, mas saber que deu o melhor de si é o que mantém cada atleta “derrotado” vivo. Essa capacidade de lidar com situações adversas é uma força intrínseca, chamada resiliência.
Mais resilientes que os atletas olímpicos são os atletas paralímpicos. Perderam não apenas títulos de “vencedor”, mas também parte de si. Enfrentaram o luto ao despedirem-se de parte de seu corpo; encararam os olhares curiosos de crianças e os questionamentos desconcertantes de adultos que poderiam ter ficado em silêncio. Diante do abismo, souberam voar.
A resiliência, apesar de ser uma habilidade do próprio indivíduo, poderá se desenvolver ou não, dependendo do ambiente no qual a pessoa encontra-se inserida e da sua interação com seus familiares e amigos. De um vínculo social acolhedor pode vir a motivação e a vontade de vencer ao acreditar que se pode ultrapassar seus próprios limites.

Maslow, psicólogo norte-americano, definiu as necessidades básicas do ser humano e as hierarquizou de acordo com suas urgências, sendo elas: necessidades fisiológicas, de segurança, de amor, de estima e de autorrealização. Para se alcançar essa última, é necessário satisfazer todas as demais anteriores, que envolvem, dentre outras coisas, o reconhecimento. Assim, com a colaboração do outro e com a constante motivação aliada da resiliência é possível competir e lembrar que amanhã, a medalha de ouro pode ser sua.

sábado, 13 de agosto de 2016

Celular: a nova janela da alma


Pokémon Go é a novidade do momento. Acessível, simples e social, a nova mania é um jogo eletrônico que permite aos jogadores capturar criaturas virtuais que aparecem nas telas de celular como se estivessem no mundo real. A proposta é fazer com que as pessoas explorem a própria cidade conforme o jogador anda à procura dos pokémons para sua coleção. Diante disso, deixo a pergunta: carregamos um celular ou é o celular que nos leva?
Esse novo jogo vai ao encontro de duas questões psicológicas bastante poderosas: a da recompensa e a da busca de sentido. À medida que o jogador alcança uma meta, é apresentada uma recompensa a ela como forma de reconhecimento, o que motiva a pessoa e satisfaz sua necessidade básica de estima, segundo o psicólogo Maslow. Juntamente a isso, o psiquiatra Vitor Frankl fala da necessidade do indivíduo de procurar sentido na vida, o que o leva a buscar complementos para seu vazio existencial.
O regime capitalista cria a lógica da necessidade do consumo, sendo assim, “Tenho, logo existo.” Queremos sem saber o que é, somente porque temos a necessidade da busca pelo prazer imediato para preencher nosso vazio. Tendo a ansiedade por excelência, a criança e até mesmo jovens adultos das gerações Y e Z encontram no mundo virtual a recompensa ilusória do objetivo alcançado.
Quando queremos conversar, mandamos mensagem de texto via WhatsApp; quando queremos ver a pessoa, olhamos seu Instagram. A tecnologia conseguiu aproximar as pessoas que moram longe e afastar as que estão do nosso lado. Ao percorrer a cidade à procura dos Pokémons, não se tira os olhos do celular para verificar se há algum carro no caminho. Até agora, essa nova mania eletrônica tomou proporção de caos social e diversos adolescentes já faleceram por não prestarem atenção ao trânsito.

A questão não é brincar, mas o modo como o indivíduo se relaciona com o jogo. O celular tornou-se oxigênio e os aplicativos eletrônicos são alimento para a alma. A quase total indiferença pelo mundo real leva psiquiatras e psicólogos a diagnosticarem uma geração com déficit de atenção, sendo o problema, na verdade, apenas falta de limite e necessidade de um pouco de atenção.   

sábado, 30 de julho de 2016

Um mundo novo?


As Olimpíadas estão se aproximando e as publicidades exaltando o espírito esportivo não param de circular na mídia. Dentre essas propagandas, uma ganhou destaque pelas lentes de um fotógrafo: o retrato de uma mulher dormindo na rua enquanto se lê no cenário “Um mundo novo”. Mais uma vez, o paradoxo brasileiro ganha destaque e é sinônimo de piada.
O slogan é uma tradição dos jogos olímpicos, assim como a tocha e os mascotes, e o Brasil definiu o seu “mundo novo” ressaltando como o esporte pode ser um instrumento de transformação. Superação, força de vontade e quebrar barreiras são sinônimos do significado do slogan Rio 2016. Fala-se até de um novo Rio após as Olimpíadas... justamente em uma cidade onde as favelas encontram-se escondidas pelos muros erguidos provisoriamente para as instalações olímpicas.
A violência, a desigualdade social e o descaso pelos direitos básicos dos cidadãos fomentam o descontentamento brasileiro. Manifestações surgem a todo momento criticando o investimento do dinheiro público no “entretenimento”ao invés de investi-lo nas necessidades básicas de saúde, educação e segurança.
O foco está na passagem da tocha olímpica pelo país e ignora-se as possíveis ameaças de atentados terroristas no local. Afinal, quem iria querer atacar o Brasil, não é?! Já temos motivos suficientes para nos prejudicar sozinhos... os outros países têm é dó de nós. Portanto, o que esperar de um povo que ri da própria condição e não se dá ao trabalho de criar estratégias para mudar? O que dizer de um povo que aprendeu a se gabar do “jeitinho brasileiro”, sem reconhecer que é um atestado de malandragem?

O tão sonhado e pouco realizado para o “mundo novo” da campanha brasileira somente será alcançado quando a mentalidade do povo for diferente, o que requer investimento em educação. Esse investimento somente ocorrerá a longo prazo, já que é necessária uma reestruturação iniciando-se com as crianças “futuro da nação”, o que levará cerca de 18 anos até elas se tornarem adultos bem educados civilmente falando. Pensando assim, é mais fácil mesmo continuar dando nosso jeitinho, não? Deixemos o mundo novo para o futuro da nação.

sábado, 16 de julho de 2016

A síndrome do coelho de Alice



Que atire a primeira pedra quem nunca ouviu que “tempo é dinheiro”. Assim como o coelho branco na estória de “Alice”, estamos sempre correndo contra o relógio. A pressa tão comum entre crianças pequenas que ainda não têm noção de tempo e desejam satisfazer suas vontades logo volta a aparecer como um sintoma do jovem adulto nos dias atuais.
 O pensamento de que o dia precisaria ter ao menos 36 horas é comum; afinal, 24 horas é pouco tempo para se fazer tudo o que se quer em apenas um dia. Ouvir de seu professor ou chefe de trabalho: “O que você faz da meia-noite às seis horas da manhã?”, então, ao invés de dormir, produza! Esse pensamento irracional tomou conta dos jovens da geração Y e influencia até os mais acelerados da geração anterior, a X.
A ociosidade é vista como loucura. Ficar parado nem pensar! Há muito que se fazer, pesquisar, inovar... e não temos todo o tempo do mundo. Seja por uma questão cultural (chegar atrasado a compromissos é hábito entre brasileiros) ou desorganização pessoal, a falta de tempo leva à vida acelerada, aos prazos a cumprir e consequentemente leva o corpo a pedir uma pausa, sinalizando seu cansaço físico e mental através de sintomas como enxaqueca, gastrite, taquicardia, dificuldade de memorização, entre outros.
Geralmente, o indivíduo está tão habituado com sua correria cotidiana que acredita ser normal e adia seus compromissos realmente importantes, como por exemplo, reservar um tempo para cuidar da saúde. As pessoas têm costume de procurar ajuda somente quando atingem a famosa “estafa” e realmente necessitam de uma avaliação médica para tratar da gastrite e poder continuar produzindo.

Uma mudança na rotina muitas vezes se torna necessária para que se passe a priorizar as responsabilidades. Há que se estabelecer quais são as prioridades e reservar um tempo para cada uma delas por ordem de importância. O planejamento lhe dá uma ideia mais precisa de quanto se pode demorar em cada tarefa específica. Se organizar direitinho, o relógio passará a ser um aliado e não precisará correr contra o tempo assim como o coelho branco de Alice que está sempre atrasado.

sábado, 2 de julho de 2016

Cooperar para realizar


Hoje comemora-se o dia internacional do cooperativismo. A palavra “cooperar” significa operar simultaneamente ou colaborar. Portanto, pode-se entender por cooperativa uma organização criada por indivíduos que realizam ações de maneira coordenada para uma finalidade em comum. Neste sábado, as cooperativas de Bebedouro promovem o “Dia C” em prol dessa colaboração, com foco na responsabilidade social.
O cooperativismo tem como valores a solidariedade, liberdade, democracia, equidade, igualdade, responsabilidade, honestidade, transparência, responsabilidade social, dentre outros. É com esse intuito que muitas pessoas se organizam para criar algo novo no mercado de trabalho, buscando inovação e melhores condições para seus cooperados, visando qualidade de vida também no ambiente organizacional.
Piaget, epistemólogo suíço, diz que o comportamento de cooperação inicia-se ainda na infância, por volta dos sete ou oito anos, e é essencial no desenvolvimento cognitivo e moral do indivíduo. A cooperação caracteriza-se pelo entendimento da existência de diferentes pontos de vista, pela reciprocidade e existência de regras para respeito mútuo.
O conceito de motivação também se faz importante, haja vista que é um dos principais impulsionadores para criação de ações nas quais se acredita. Estar motivado é querer realizar. Maslow, psicólogo norte-americano, definiu as necessidades básicas do ser humano e as hierarquizou de acordo com suas urgências, sendo elas: necessidades fisiológicas, de segurança, de amor, de estima e de autorrealização.

Para se alcançar a autorrealização, é necessário satisfazer todas as demais necessidades anteriores, que envolvem, dentre outras coisas, o reconhecimento. Somente com a colaboração do outro e com a constante motivação é possível alcançar essa meta de realização pessoal, que é basicamente sentir-se feliz onde se está. Nesse sentido, diversas pessoas com um objetivo em comum unem-se para transformar em realidade o sonho de trabalhar naquilo que gostam, tendo o ambiente de trabalho como uma segunda casa e os colegas de trabalho como uma família.

sábado, 18 de junho de 2016

Onde está o amor?


Já dizia Machado de Assis: “Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar”. No dia 12 de junho, enquanto os brasileiros comemoravam o dia dos namorados, os Estados Unidos estavam enlutados pela falta de amor. Um jovem entrou em uma boate voltada ao público LGBT e causou 50 mortes, além de ferir mais 53 pessoas. Ao que se especula, o ato pode ter sido resultado do ódio por outras formas de amar.
Independentemente da ligação do atirador a um grupo extremista, o que impera é a dificuldade em aceitar a diversidade, já que um grupo com os mesmos valores apenas reforça a empatia ou a aversão às diferenças. Essa discordância de opinião é a razão pela qual as pessoas buscam refúgio em seus mecanismos de defesa internos; a diferença se dá na forma como se protegem: uns assumem a posição de vítima, isolando-se, outros assumem a posição de agressores, agindo antes de serem atingidos.
Segurança e pertencimento são necessidades básicas, segundo a pirâmide de Maslow. Pertencer a um grupo implica comungar das mesmas ideias ou ao menos respeitar a dos colegas. Isso se amplia a relacionamentos. As pessoas buscam o outro, dentre outros motivos, para que possam sentir-se seguras, além de aceitas e, se possível, amadas. Tal afinidade acontece na sensação ilusória de segurança que o outro representa.
Sendo assim, o amor pode ser encontrado na afinidade de gostos, incertezas e fantasias entre duas pessoas, independentemente de gênero, raça ou classe social. O ódio, oposto do amor, pode ser visto na intolerância e falta de respeito apresentadas na forma de agressão física ou psicológica. A não aceitação de outros pontos de vista (que são aceitos por outros) leva à frustração e ao desequilíbrio interno pela falta de empatia e de respeito.

O medo do novo, a sensação de insegurança e de solidão podem falar mais alto quando não se consegue ver o que a maioria enxerga. Possivelmente, o jovem agrediu outros antes que pudesse ser agredido. A criação rígida, os valores aprendidos em sua cultura e os preconceitos advindos de gerações culminam no ato trágico relatado na mídia. Dentre todas as explicações e possíveis diagnósticos, o mais correto talvez seja que ele sofria da falta de empatia, o provável mal do século.

sábado, 4 de junho de 2016

A ultraviolência cotidiana de Kubrick


Mulheres estupradas porque usam roupas curtas, homossexuais agredidos por assumirem sua identidade, crianças medicadas por serem agitadas demais, idosos hostilizados por não terem mais uma audição apurada... Na verdade, o motivo da agressão pouco importa, o essencial é poder criticar, julgar e externalizar a raiva, independentemente de quem seja o “alvo”.
No início da década de 70, Stanley Kubrick dirigiu o filme “Laranja Mecânica”, adaptado do livro homônimo de Anthony Burgess. Ele conta a história de Alex, um jovem rebelde e inteligente que, juntamente com um grupo de amigos, tinha por diversão praticar a “ultraviolência”. Esses jovens (todos homens) assaltavam casas, espancavam mendigos e estupravam mulheres por prazer, deixando claro seu cinismo e descaso para com os outros e a sociedade.
As agressões geralmente são direcionadas às minorias hostilizadas, sempre mudando seu público. Leprosos, doentes mentais, negros, homossexuais... Novamente, a minoria em questão pouco importa, desde que sempre haja um grupo para o qual todo instinto agressivo possa se voltar, contando com uma justificativa socialmente aceitável nas propostas de exclusão-inclusão social.
A notícia da adolescente estuprada por mais de trinta homens não parou de circular na mídia. Essa “ultraviolência” é reforçada pela cultura patriarcal e é o último ato do machismo. Afinal, quem nunca ouviu que lugar de mulher é em casa e não no trânsito ou no mercado de trabalho? E as famosas “cantadas de pedreiro”? A cultura da violência é tecida aos poucos, de modo que a mulher sente-se envergonhada por ser vítima de um sistema disfuncional.

O simples fato de justificar uma agressão é tentar “normalizar” uma situação ilegal. Não há justificativa para a intolerância e falta de respeito. A ultraviolência tratada em “Laranja Mecânica” reflete uma educação deficitária e uma desigualdade de gênero absurda. Desde o bullying ignorado na escola até o assédio sexual no trabalho, a sociedade precisa falar sobre o assunto, não apenas reproduzi-lo em campanhas nas redes sociais. É a ação que muda o rumo da intolerância cotidiana. 

sábado, 21 de maio de 2016

Transformando o luto em luta


Há dez anos, 564 pessoas foram mortas no estado de São Paulo. Segundo notícias publicadas, as mortes foram conseqüência de uma ação de “vingança” de agentes de segurança do Estado contra os ataques da facção denominada Primeiro Comando da Capital (PCC). Nessa ação, a maioria das vítimas foram jovens civis, fazendo com que diversas mães não pudessem comemorar o dia delas com seus filhos.
O evento ficou conhecido como “Crimes de Maio”, onde apesar do grande número de assassinatos, os responsáveis pela chacina continuam impunes. Diante de tal acontecimento, familiares das vítimas, em sua maioria mães, uniram-se para dar início ao movimento “Mães de Maio”, em uma tentativa de alertar para o descaso para com a população.
O psicanalista Freud define o luto como a reação à perda de um ente querido ou algo de extrema importância na vida da pessoa, como o emprego, por exemplo. Com a perda, ocorre a desestruturação psíquica e, consequentemente, a perda de interesse pelo mundo externo, havendo dificuldade em deparar-se com a realidade. O luto é ainda mais dificultado pelo modo como a sociedade encara a morte: como um tabu.
Segundo a psicóloga Maria Júlia Kovács, a perda envolve sentimentos, e a expressão desses é essencial no processo de elaboração do luto. Para a autora, há o padrão da ética e do bom comportamento na atualidade, no qual as pessoas são ensinadas a controlarem-se e a não demonstrarem demais seus sentimentos. Esse padrão tem repercussões críticas no processo de luto, no qual o sujeito passa a negar a morte e a esconder sua tristeza por qualquer perda. A inibição e a não expressão dos sentimentos podem levar o indivíduo a uma cronificação do processo de luto, tornando-o patológico.

Logo, a iniciativa das “Mães de Maio” foi justamente oposta. Elas encararam o fato e uniram forças para lidar com a tristeza da casa vazia no dia das mães. O simples transformar em ações auxilia na elaboração da perda sofrida e a dor compartilhada se tornou combustível para o movimento influenciar diversas outras lutas pelo país. Os filhos ausentes agora estão presentes como símbolo de luta por justiça.

sábado, 7 de maio de 2016

Bela, letrada e de qualquer lugar


Era uma vez uma mulher que não se encaixava nos padrões sociais. Ela trabalhava, praguejava e saía com os amigos. Não conseguia se contentar com a ideia de ser apenas dona de casa. Queria sempre mais, buscava a independência e a liberdade de ser quem quisesse. Complicado era fazer entender que todos têm seu lugar ao sol.
A avalanche de críticas ao artigo “Bela, recatada e do lar” publicado na revista “Veja” busca romper com qualquer ideia de estereótipo de que só esse tipo de mulher tem valor na sociedade. A matéria publicada na revista “Veja” trata do ideal da mulher dona de casa, mãe e boa esposa como um exemplo a ser seguido, o que irritou profundamente todos os outros ideais de mulher: mães solteiras, trabalhadoras, baladeiras, divorciadas...
O movimento feminista teve seu início no século XIX, buscando a igualdade de direitos e valorizando o empoderamento da mulher na sociedade, de modo a romper com o modelo de sociedade patriarcal. Aos poucos (e após muita discriminação) as donas de casa tornaram-se empresárias, aceitaram seu corpo e assumiram a direção. Como escreveu Karen Curi em seu artigo, como tais mulheres podem ter conquistado seu espaço com tanto suor e ainda assim serem diminuídas à imagem de princesas frágeis em um castelo?
A autoestima tem papel essencial na luta contra a ditadura da mulher ideal. Quanto mais elevada a valorização pessoal, menos se considera a pressão externa, é por isso que pessoas seguras de si são pouco influenciadas por críticas. A autoestima está intimamente relacionada ao valor que você dá a suas qualidades e vontades, sendo assim, se você se sentir realizada com a opção de não ter filhos e essa for uma decisão própria, a pressão social não exercerá um papel crucial na sua vida.

Ao contrário do que muitos questionaram, não há problema algum em ser “bela, recatada e do lar”, problema é querer fazer com que todas as mulheres vejam isso como um padrão a ser seguido. “Lugar da mulher é onde ela quiser” e cada uma saberá a que lugar pertence baseada em suas vontades e valores. O importante é estar feliz, seja no lar, no bar ou onde queira estar.

sábado, 23 de abril de 2016

Não vai ter respeito


No domingo passado houve votação para decidir a procedência do processo de impeachment contra a presidente do Brasil. Mais importante que o resultado, foi saber que há ainda liberdade de expressão. O mais triste no entanto, foi ver que não há respeito para com a diferença de opinião. Ao invés de “sim” ou “não”, precisou-se reafirmar as críticas aos opositores, transformando uma sessão da câmara em lavanderia. Portanto, em qualquer discussão, vai ter ódio.
Um grupo é formado por pessoas que compartilham uma ideologia e seu objetivo é reunir-se para fazer algo, geralmente encontrar a resolução para um problema comum a todos os membros. Wilfred Bion, psicanalista britânico, diz que um grupo se reúne em torno de um líder idealizado, que será capaz de promover amparo, força e proteção aos membros, com a esperança de uma resolução futura para os problemas atuais, que serão combatidos.
O grupo funciona pela repetição da ideia, do discurso e da postura; ele repete o comportamento de seu representante, de modo a reforçar seu objetivo. Juntamente com a repetição, vem a valorização dos interesses coletivos sobre os individuais. Segundo Freud (1921), essas atitudes da “mente grupal” mostram a dependência existente entre o líder e os membros de um grupo.
Desse modo, o representante funciona como um modelo para os demais. Assim como crianças aprendem por observação e imitação, também o fazemos quando inseridos em organizações sociais. A falta de respeito por parte dele gera a repetição desse comportamento, como observado nas ruas, redes sociais e até mesmo na votação. A agressividade nas palavras e a falta de ética nas atitudes foram reproduzidas de tal modo que a ansiedade está generalizada e o estado de ódio, instalado.

Foi preciso que houvesse manifestações a nível nacional e que alguém pedisse o impeachment para que pudéssemos chegar à votação de domingo, assim como foi necessário que um representante incitasse a falta de respeito para que os demais repetissem seu (mau) exemplo. Portanto, mais preocupante do que o impasse político, é o desrespeito pela diferença de opinião, que acaba por alienar, tirando o foco do mais importante e fragilizando as relações humanas.

sábado, 9 de abril de 2016

O valor do apego na era do desapego


Reduzir, reutilizar, reciclar... lema que deveria ser aplicado apenas aos bens de consumo passou a ser utilizado também nas relações sociais. Cada vez menos amigos, mais colegas do trabalho temporário, maior quantidade de “relacionamentos abertos”... Bem vindos à era do desapego!
Atualmente se prega a prática do desapego e a independência emocional... tudo que diminua o sofrimento. Devemos nos valorizar, ser otimistas e independentes, então é melhor nem pensar em depender dos outros para sermos felizes, certo? Na verdade, não é bem assim...
O psiquiatra e psicanalista John Bowlby considera o apego como uma característica inerente ao ser humano e tem por função a necessidade de proteção e segurança. Em sua teoria, o bebê desenvolve um comportamento de apego para com o cuidador, desenvolvendo maior vínculo conforme esse cuidador responde ao bebê satisfazendo suas necessidades básicas.
O psicanalista Donald Winnicott complementa essa teoria com o conceito de “mãe suficientemente boa”, ou seja, aquela atenta e capaz de compreender as necessidades da criança e corresponder a elas. De modo geral, se a mãe é suficientemente boa, há criação de um bom vínculo e consequentemente de um apego seguro, caso contrário, existe o apego inseguro. Em suma, crianças com apego seguro apresentam maior autoconfiança na vida adulta.
Esse vínculo entre mãe e bebê é construído e desenvolvido de modo que a criança consiga sentir segurança quando o cuidador não está por perto. A criança passa a entender que os pais saíram, mas voltarão para casa depois do trabalho, criando um ambiente confiante. Quando há o apego inseguro, ora o cuidador atende às necessidades do bebê, ora as ignora, não desenvolvendo um padrão de resposta para os comportamentos da criança, levando ao desenvolvimento de insegurança.

Portanto, esse apego seguro é essencial para a criação de vínculos e desenvolvimento da noção de autoconfiança do indivíduo. Quanto ao desapego, que ele seja praticado com todas aquelas “bugigangas” que guardamos no fundo do armário há anos com dó de jogar fora.

sábado, 26 de março de 2016

A geração que (pensava que) sabia demais


Somos a geração sabe tudo. Somos informatizados, conectados, globalizados... e por termos acesso fácil à informação, somos preguiçosos. Procrastinamos o estudo, o trabalho e até o lazer. Buscamos pequenos prazeres no meio da correria cotidiana para “respirar”... e vivemos constantemente cansados.
Nossa geração que sabe o que quer, mas não sabe ao certo como chegar lá. Ela se perde na independência. São tantos meios... mas também tantos fins para justificar... ano que vem eu “tomo um rumo na vida”. Idealizamos muito e realizamos pouco. Temos sonhos, mas nos faltam metas. Queremos reconhecimento e salários bons em um ano de empresa. Não sabemos esperar.
Raramente precisamos largar os estudos para trabalhar, falamos mais de uma língua fluentemente e temos tantos certificados que nem cabem na parede do quarto. Precisamos de novidade e não entendemos como nossos pais se orgulham de “vestir a camisa” de uma empresa por tantos anos. Queremos sempre mais em pouco tempo.  
Confundimos liberdade de expressão com obrigação de manifestação, compartilhamos notícias sem buscar a fonte, instalamos a televisão sem ler o manual de instruções, sabemos dos perigos de dirigir alcoolizados, mas saímos para beber todos os finais de semana, erramos e colocamos a culpa nas más companhias e encaramos tudo com ironia.
Somos uma geração triste. Vivemos a crise dos vinte e poucos anos, dos trinta, dos trinta e poucos... a cada aniversário, uma pequena “morte”. Sempre aquela comparação com seus primos e amigos já bem-sucedidos e você ainda tentando fazer a transição do miojo para o macarrão. (Nada fácil passar de universitário a profissional.)

Não queremos consertar. É mais prático comprar um novo. Na verdade, nem temos tempo para isso. É mais simples chamar todos os políticos de corruptos do que estudar para entender o cenário político atual. É mais fácil – e aceitável – reclamar do sistema educacional falho do que estudar maneiras de melhorar a educação. Afinal, somos espertos demais para saber que não vão nos escutar mesmo... nós apenas votamos em nosso líderes, certo? E pra que a pressa? Em pouco tempo teremos nova eleição... passa rápido.

sábado, 12 de março de 2016

A passagem ao ato da postura cívica


O cenário político atual é de caos. Investigações em andamento, protestos nas redes sociais, manifestações sarcásticas bem do “jeitinho brasileiro” para lidar de modo bem-humorado com qualquer adversidade. O país está unido pela diferença de opinião. A questão, no entanto, não é a diversidade de pensamento, mas o discutir por ter o que falar, sem fundamento. Não somos educados na política.
Nosso sistema educacional é cada vez mais direcionado ao vestibular. Os estudantes devem decorar fórmulas matemáticas e datas históricas para somente usarem no Enem e nunca mais. Não nos ensinam a pensar; isso explica tanta dificuldade dos alunos nas questões de interpretação de texto e o famoso medo da redação. A banda britânica Pink Floyd fala dessa manipulação da educação na música “Another brick in the wall” (Outro tijolo no muro, em tradução livre).
É clichê dizer que é cômodo que os indivíduos não pensem, apenas reproduzam ideias “cultivadas” por quem exerce o poder juntamente com o apoio da mídia. Acontece que após tantas exposições de corrupção, essa massa se cansou e começou a usar de sua liberdade de expressão, mostrando todo o seu descontentamento com o país. O problema de não sermos educados na política, é que apenas sabemos dizer que não estamos satisfeitos com algo... não sabemos ao certo como apontar uma solução... então é só caos.
O que há de modo geral é discussão, não ação. Quando existe a ação propriamente dita, essa ocorre de maneira agressiva, pois não aprendemos postura cívica, a não ser para cantar o hino nacional na fila da escola. Passagem ao ato é um conceito psicanalítico definido como uma “atitude imediata em que uma intenção dá lugar à sua realização motora”, em suma, é agir sem pensar (o que geralmente leva ao arrependimento).


A passagem ao ato em massa só leva ao caos coletivo, não trazendo de fato uma solução para o problema, apenas manifestando o descontentamento da população.  Falar somente para exercer a liberdade de expressão e participar de manifestações só para tirar foto não significa fazer política. Isso apenas mostra a necessidade de atenção para a postura cívica de um país que perde sua ética a cada fase da operação lava jato. 

sábado, 27 de fevereiro de 2016

O medo da escolha


Ser adulto envolve fazer escolhas, e isso é assustadoramente difícil. Optar por um caminho é consequentemente deixar outro para trás e enquanto não se escolhe, vive-se com a possibilidade. Mas a vida exige escolhas, e a pressão social pode lhe fazer escolher o caminho mais “prudente”, não necessariamente o mais feliz.
Com o passar do tempo (que por sinal parece passar mais rapidamente conforme envelhecemos), sentimos a necessidade, senão desespero, em fazer as escolhas certas. Refletimos se estamos onde imaginávamos em nossos sonhos ou se continuamos naquele emprego temporário ainda esperando pela oportunidade de finalmente fazer o que queremos. Mais um dia de trabalho sem motivação e novamente o sonho é adiado pelo medo de arriscar...
Chega um momento em que o que era para ser temporário torna-se cômodo e já serve para pagar as contas e sair de férias, então, pra que arriscar? Pouco a pouco, o indivíduo vai perdendo a vontade de recomeçar e perde a coragem de dizer não ao comodismo. Largar o emprego é loucura. É preferível uma monotonia certa a um prazer incerto. E mais um dia nos arrastamos até o trabalho, contando os dias para sexta-feira e invejando os que amam o que fazem.
Milan Kundera em “A insustentável leveza do ser” sugere que há uma certa leveza em se fazer o que não gosta. Fazer aquilo que nos dá prazer é um fardo muito pesado, pois nos cobramos demais. No entanto, apesar do peso, a satisfação pelo resultado do trabalho obtido é extremamente gratificante e o fardo torna-se leve ao seguir o caminho que se quis, não aquele que foi obrigado.

Existe uma diferença entre viver e sobreviver. Trabalhar somente por obrigação é sinônimo de sobrevivência e leva a problemas de saúde a longo prazo, como depressão, transtorno de ansiedade e distúrbios psicossomáticos. É nesse momento que o sonho grita do fundo da alma e exige uma escolha. O “não” à sobrevivência é o “sim” à vida. Ter a coragem de sair de um ambiente onde você não se sente bem é conquistar a liberdade para seguir outro caminho que você talvez tenha planejado durante tantos anos.